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Texto 2
As Fratrias Orfás
Os Racionais MC's falam diretamente a um país que reproduz diariamente, numa velocidade de
linha de montagem industrial, a violenta exclusão de milhares de jovens e crianças que [...] não
encontram nenhuma oportunidade de sair da marginalização em que se encontram. Milhares de crianças
€ jovens cujas vidas correm o risco de ser apenas o "efeito colateral que o seu (meu!) sistema fez"
('Cap.4, Versículo 3"- Mano Brown). É a capacidade de simbolizar a experiência de desamparo destes
milhões de periféricos urbanos, de forçar a barra para que a cara deles seja definitivamente incluída no
retrato atual do país (um retrato que ainda se pretende doce, gentil, miscigenado), é a capacidade de
produzir uma fala significativa e nova sobre a exclusão, que faz dos Racionais MC's um importante
fenômeno musical de massas do Brasil dos anos 1990.
[...] Um trecho, quase no final de "A fórmula mágica da paz", é dos poucos - senão o único - em
que o Rap dos Racionais permite alguma sublimação dos sentidos, algum sentimento de elevação ou de
alegria. Afinal, não é Isto que o “ritmo e poesia” deveriam nos proporcionar? Mas não. Nenhuma
exaltação, nenhuma referência sublime são possíveis a uma arte que tem por principal função tentar
simbolizar um cotidiano que se depara todo o tempo com o nó duro do real, no sentido que a psicanálise
lacaniana atribui à palavra: o indizível, o que está além da capacidade de elaboração pela linguagem, o
que nos escapa sempre.
O real domina a vida da periferia. [...] Enquanto isso, alguns raros momentos de contemplação
são contrabandeados pelas brechas de uma vida que não oferece nada de graça. Acordar cedo, sentir a
brisa, ver o sol nascer. O céu está cheio de pipas: como uma madeleine dos pobres, a visão dos
quadradinhos coloridos lá no alto evoca a infância, o tempo perdido, a inocência que ficou para trás. Mas
as pipas são também a criação de um espaço virtual para a beleza, neste "campo minado" sem pontos de
luz. As pipas obrigam o olhar a se manter acima da miséria, na direção de um céu que não é o céu da
morte, de Deus e das almas; é o céu dos vivos. O céu que as crianças enfeitam com poucos recursos,
cola, papel de seda e linha; céu da linguagem, céu humano. O céu cheio de pipas da periferia é uma
interferência estética sobre a miséria e a recusa da desumanização que ela promove. Como a música,
que só precisa das ondas do ar para existir e repercutir, como os versos quilométricos do Rap, as pipas
da molecada representam a ultrapassagem do reino da necessidade e do puro tempo imediato, sem
passado e sem futuro, a que a necessidade nos reduz. No poema de Brown, o céu cheio de pipas surge
como evocação da infância e projeção para um tempo futuro ("diz aí! - o tempo não para"), um "fora
daqui/aqui mesmo", um real tornado manso pela força da cultura.
KEHL, Maria Rita. Radicais, Raciais, Racionais: a grande fratria do rap na periferia de São Paulo. São
Paulo Perspectiva, São Paulo, v. 13, n. 3, Sept. 1999. http://www .scielo.br/
Acesso em 11/06/2013.
a) O texto 2, de Maria Rita Kehl, faz referência ao trabalho desenvolvido pelo grupo brasileiro de rap
Racionais MC's, fundado na periferia de São Paulo. Explique a relação que pode ser estabelecida entre o
texto de Kehl e o texto 1, de Ernst Fischer.
b) Reescreva a passagem a seguir, atendendo à modificação proposta:
“A sociedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito de pedir-lhe que ele seja
consciente de sua função social.” (linhas 17-19, texto 1)
A sociedade precisava do artista